Geralmente classificamos os plásticos como duráveis e não duráveis. Conheça mais sobre o assunto.
* Ophelis de A. Françoso Jr
Ao abordar o problema do envenenamento ambiental pelos plásticos temos que reconhecer o óbvio: não podemos sequer imaginar nossa vida sem eles. É bem provável que você esteja lendo este artigo em um celular, em um tablete ou em um notebook. Todos eles são dispositivos de plásticos que sustentam circuitos eletrônicos igualmente venenosos ao ambiente. Encontramos plásticos em praticamente todos os artefatos industrializados. Um dos motivos dessa onipresença é que eles são obtidos a partir de subprodutos da fabricação de petróleo; daí serem extremamente baratos.
Geralmente classificamos os plásticos como duráveis e não duráveis. Entre os primeiros podemos exemplificar aqueles usados na fabricação de móveis e equipamentos de longa duração. Os não duráveis, também chamados “de uso único”, são imediatamente descartados após o uso, como fraldas e absorventes íntimos, sacos de lixo, sacolas plásticas, equipamentos hospitalares, canudos de refrescos e drinques, embalagens em geral e recipientes como garrafas pets.

Os plásticos e a energia gasta na sua produção representam cerca de 8% do petróleo consumido no mundo. Um terço desse montante constitui os de uso único. Ao continuarmos usando plásticos na taxa atual, muito em breve seu acúmulo tornará insustentável a vida na Terra.
O perigo dos plásticos nos corpos humanos
Um dos problemas fundamentais acerca da toxicidade dos plásticos está nas embalagens utilizadas para os alimentos. As substâncias chamadas genericamente de ftalatos (usados para amolecer o plástico), além do bisfenol A (BPA) são duas das toxinas que migram para o alimento ou para a água que consumimos. Além disso, quando descartados de forma inadequada, geralmente acabam nos corpos de água onde continuam a liberar esses produtos químicos por um tempo excessivamente longo, já que não são biodegradáveis.
Os ftalatos se acumulam na gordura corporal provocando severa disfunção reprodutiva masculina, crescimento das mamas e o câncer testicular.
O BPA, encontrado nos policarbonatos, prejudica os tecidos placentários humanos, provocando o nascimento prematuro, retardo no crescimento intrauterino e pré-eclâmpsia. Ele também tem efeito carcinogênico na próstata e nas mamas, além de alterar o desenvolvimento normal da próstata e do trato urinário. Há também acentuadas evidências experimentais de atraso no desenvolvimento neurológico. Estudos recentes sugerem que o efeito estrogênico do BPA também pode ter um papel na progressão da diabetes.
Observemos que o aquecimento dos produtos alimentares pré-cozidos e congelados em recipientes plásticos aumenta significativamente a liberação dessas toxinas.
O problema ambiental
Como já mencionado, os plásticos persistem no ambiente por centenas a milhares de anos. Devido à sua baixa densidade, eles tendem a flutuar, poluindo as bacias hidrográficas, entupindo esgotos e vertedouros e provocando enchentes durante as chuvas, principalmente nas grandes cidades. Mais frequentemente ainda, são levados pelos rios e de lá para os mares e oceanos onde são confundidos com alimentos pelos animais aquáticos.
A maioria morre ao come-los, mas os que sobrevivem, passam a apresentar um acúmulo das toxinas em seus corpos. Se fizerem parte de nossa cadeia alimentar, como peixes e frutos do mar em geral, a quantidade aumenta muito no corpo humano devido à bioconcentração, um fenômeno relativamente bem conhecido pelos biólogos, que pode provocar envenenamento agudo. Assim, o plástico que despejamos no meio ambiente, ainda volta a nos prejudicar.
Plásticos fragmentados
De acordo com dados mais recentes, os plásticos em suspensão nos corpos de água do mundo já pesam mais de 100 milhões de toneladas. Digno de nota são as enormes ilhas de lixo parcialmente submersas nas extremidades oriental e ocidental do Oceano Pacífico, compostas principalmente por detritos plásticos que lá circulam por ao menos 12 anos, aprisionando e matando os peixes e a fauna marinha.
Além da liberação das toxinas os plásticos também sofrem fragmentação mecânica ao longo do tempo, gerando pedaços de diversos tamanhos, inclusive partículas microscópicas. Os microplásticos (menores do que 5 mm) costumam ser ingeridos por animais que por sua vez servem de alimento aos seres humanos. Por isso, uma significativa concentração deles já foi encontrada em órgãos viscerais, principalmente no fígado e no intestino, de diversas populações humanas. Nove qualidades diferentes de plásticos, como o polipropileno, polietileno e o tereftalato, já foram reportados em tecidos humanos, cujas partículas mediam entre 50 a 500 micrômetros. Além dos oceanos, os microplásticos tem sido encontrados com frequência em águas tratadas, em insetos alados e até em refrigerantes. Essas partículas atingem o fígado pela corrente sanguínea e pelo sistema linfático carregando agentes patogênicos e obstruindo ductos vitais para o metabolismo.
Descartando
Por sua vez os plásticos resultantes dos “descartes apropriados”, coletados como resíduos sólidos municipais acabam nos aterros sanitários mesmo após sua separação. Entretanto, desde o início da década de 1990, muitos dos aterros atingiram sua capacidade limite de estocagem quando então os governos locais liberaram suas áreas para construções, geralmente para moradias de baixa renda.
Para a população das cercanias, os aterros constituem ambientes potencialmente perigosos. Muitas mulheres que viviam próximo a aterros tiveram bebês com atraso de crescimento, além de incidência aumentada de cânceres em todas essas populações. Durante o desenvolvimento, na idade adulta, as pessoas tendem a acumular os produtos químicos oriundos do lixo em seus tecidos gordurosos, manifestando assim efeitos adversos.
Possíveis soluções para o problema dos plásticos de uso único
Uma série de mudanças, relacionadas a seguir, podem minimizar substancialmente os problemas causados pelos plásticos de uso único.
1. Redução da dependência
As inúmeras alternativas para sacolas plásticas e garrafas de água geralmente são sabotadas pelos interesses comerciais egoísticos por parte das poderosas indústrias do setor, que tentam prolongar tanto quanto possível a nossa dependência dos plásticos de forma a garantir seus lucros milionários. Os governos dos entes federativos e as organizações interessadas deveriam unir esforços para promover alternativas reutilizáveis. Por isso, campanhas massivas de conscientização pública sobre os males dos plásticos descartáveis são vitais ao enfatizar os efeitos nefastos desses verdadeiros venenos ambientais.
2. Impostos
Muitas empresas utilizam plásticos para embalar seus produtos devido ao baixo custo. Para mudar essa realidade os governos deveriam taxar o plástico, mesmo que fosse apenas para reduzir o consumo. Em 2002, a Irlanda se tornou o primeiro país a introduzir um imposto sobre plásticos que reduziu o consumo de sacolas descartáveis em cerca de 90%. O equivalente a 15 centavos de dólar por sacola foi suficiente para provocar uma enorme mudança. Como benefício colateral, o governo arrecadou o equivalente a 9,6 milhões de dólares de impostos somente no primeiro ano. A população passou a usar sacolas reutilizáveis para quase todas os itens de supermercado, exceto para produtos frescos não embalados, como verduras e carnes, cujas embalagens são isentas desse imposto. Vários outros países, como Reino Unido e Austrália, além de cidades como Nova York, planejam instituir impostos similares.
3. Garrafas biodegradáveis
Projeções indicam que garrafas plásticas ainda serão usadas por muito tempo. Por isso necessitamos urgentemente desenvolver alternativas a esses materiais como o plástico biodegradável. Um dos constituintes comuns desse material é o polihidroxialcanoato (PHA) que se decompõe naturalmente em subprodutos naturais e seguros, sem a intervenção humana. A questão esbarra, novamente, no custo e na viabilidade. Como as tecnologias são relativamente novas, o custo de produção também é maior, encarecendo os produtos que os utilizam.
4. Bioplásticos
Diferentemente dos anteriores, os bioplásticos não são derivados de petróleo. Entretanto, isso não significa que sejam biodegradáveis. Ainda que a fabricação deles utilize energia oriunda de combustíveis fósseis, seu uso em larga escala proporcionaria um alívio às reservas petrolíferas.
5. Pesquisas sobre decomposição
Pesquisas relativamente recentes sobre fungos e bactérias que aceleram a degradação dos plásticos convencionais têm chamado a atenção da mídia e devem ser estimuladas. Entretanto, atualmente, os esforços investigativos estão orientados para determinar se os subprodutos desse processo são suficientemente seguros para o meio ambiente, sem efeitos colaterais adversos.

6. Reciclagem e reutilização
Além de desenvolver alternativas aos plásticos convencionais, precisamos lidar com as imensas quantidades de resíduos tóxicos já existentes. Por isso, sob ponto de vista energético, a separação dos resíduos sólidos é uma das formas mais eficientes e baratas para se livrar dos plásticos. Uma vez separados, eles podem ser reutilizados para diversas finalidades como mantas asfálticas, blocos de construção, moveis e outros utensílios, conferindo, portanto, um uso múltiplo que acaba por economizar recursos preciosos.
Mudança de paradigmas
Mas no atual cenário de verdadeira hecatombe ambiental, para além de reduzir, reutilizar e reciclar, torna-se urgente cobrar as autoridades e mudar nossos paradigmas para evitar ao máximo o consumo de plásticos e seus derivados. Afora a economia de dinheiro, energia e recursos naturais é possível que sobre tempo para tratar dos nossos próprios pés, mortalmente feridos à bala por nós mesmos.
* Ophelis de A. Françoso Jr
Biólogo, mestre em Zoologia e doutor em Fisiologia pelo Instituto de Biociências da USP. Ex-bolsista Capes (Ministério da Educação) na Universidade da Califórnia Santa Bárbara. Ex-professor da Universidade Mackenzie, da Universidade de Garulhos, da Universidade Santo Amaro e da Fundação Instituto de Ensino para Osasco. Editor Executivo, autor de textos em diversas obras de Biologia para Ensino Médio e tradutor.
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