Nossas vidas estão povoadas de árvores, o Mulungu é uma delas.
Na infância, a depender das brincadeiras e dos biomas, criamos vínculos com Araucárias, Cerejeiras-do-Rio-Grande, Guabirobas, Patas-de-vaca, Jabuticabeiras, Juazeiros, Jatobás…
E exatamente por lembrar que toda coisa é percebida em função do ponto de vista daquele que a olha ou experimenta, e a árvore urbana? Árvore da nossa rua que é condescendente com nossos hábitos, costumes, crenças, ritos: Cereja-do-Mato, Pau-Ferro, Cambuci – uma Tipuana cheia de pássaros.

Nos anos iniciais, foi uma felicidade criar laço com a Carobinha, suas flores violáceas enfeitando a pracinha na rua da casa onde brinquei de faz de conta, de bola e de casinha.
Encontro com o Mulungu
Na vida adulta, no tempo que morei em Campinas, a aparição de um Mulungu revelou-se muito mais do que esbarrar em um indivíduo arbóreo marcante na paisagem.
Antes do meu encontro com o Mulungu, só o havia espiado em recortes e figuras de botânica. Foi um susto olhar aquela árvore que parecia acesa na manhã fria, sua florada exuberante surpreendendo toda gente, e como um convite elegante à tolerância. Acontecimento mágico suas grandes flores vermelhas. O mulungu resplandecia imponente no bosque discreto.

A aparição daquela árvore esbanjando beleza ornamental, provocou, depois, releituras sobre a vida secreta dos Mulungus – e uma alegria saber que suas flores e frutos são um banquete para abelhas e aves, sem subestimar seu importante papel na agroecologia.
Criando laços
À parte os encontros fugazes, as árvores sempre nos marcam e não como um elemento ordinário: árvores são indivíduos magníficos.
Afeiçoar-se às árvores supõe amar a natureza, o que quer dizer de forma simples nutrir um respeito profundo por esses seres majestosos e lentos (se comparados aos animais).

Um dos segredos da vida está implicado com criar laços. Conhecer assim um dos tipos de Erythrinas, em sua florada exuberante, movimenta ações a respeito de nossa consideração pelas árvores, sua sorte e direitos. Ou seja, precisamos refletir com coragem sobre nossa dificuldade em permitir que as árvores envelheçam em paz e morram naturalmente.
“Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.”
Ricardo Reis
Notinhas
O nome genérico Erythrina vem do grego “erythros”, que significa vermelho, em decorrência da cor das flores; e o nome popular “mulungu”, segundo alguns autores, vem do tupi “mussungú” ou “muzungú”, cujo significado é “pandeiro” e pode estar associado ao som emitido pela batida em seu tronco oco.
As flores do Mulungu, quando maceradas, são empregadas como corantes por possuírem uma tinta amarelo-avermelhada utilizada no tingimento de tecidos. Cf. Lorenzi, H. (1992) Árvores brasileiras: Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil, p. 203.
O Mulungu do texto é a espécie Erythrina speciosa. Mas igualmente fiquei estarrecida tempos depois pela espécie Erythrina verna, cujo fruto aberto tem formato peculiar e é usado pelas crianças para fazer um tipo de assobio. As Erythrinas são da família Fabaceae.
Mulungu ajudando a recuperar matas
Por ser propagado vegetativamente, através de estacas, e se beneficiar do processo de fixação biológica de nitrogênio, dispensando adubos nitrogenados, segundo a Embrapa, o Mulungu é recomendado para a recuperação de matas ciliares e de ecossistemas degradados e na manutenção da fauna silvestre, pois suas flores atraem pássaros.

reflorestamento, atraindo pássaros e abelhas
No texto, faço alusão ao livro do engenheiro florestal Peter Wohlleben: A vida secreta das árvores. Tradução de Petê Rissatti. RJ: Sextante, 2017.Amo o que vejo porque deixarei. Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994), p. 181 (1ª publ. in Presença , nº 37. Coimbra: Fev. 1933).
Eugênia Pickina
Escritora e educadora ambiental. Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP).
Tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas do estado de São Paulo e do Paraná, onde vive.
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Toda árvore tem sua beleza e é importante na recuperação de áreas de reflorestamento.