O vegetarianismo surgiu há cerca de 5 milhões de anos. Nosso antepassado mais antigo, o Australopithecus Anamensis, era coletor de alimentos: comia frutas, folhas e sementes. Vivia em perfeita harmonia com animais mais pequenos, que ele poderia abater, mas não tinha interesse.
O consumo de carne, na verdade, conforme indicam os especialistas, surgiu tarde na evolução humana. Para se ter uma ideia, o estudioso Colin Spencer comparando nossa evolução à vida de uma pessoa de 70 anos, revela que o consumo de carne só apareceria nos últimos nove dias de vida desse indivíduo. Os outros 69 anos, 356 dias foram vegetarianos.
Vegetarianismo consciente
Nossos antepassados foram presas de outros animais e não predadores e foi essa necessidade de escapar que levou o ser humano a desenvolver sua habilidade intelectual e a linguagem. Nenhum hominídeo caçou em grande escala antes do advento do fogo controlado. A carne como proteína não é muito superior aos ovos e nozes. Ou seja, a proteína animal não foi importante para nossa evolução. É, na verdade, um hábito alimentar com o qual não compactuo por respeito à vida dos outros seres que dividem o planeta com a gente.

É um preceito que sigo há décadas. Na verdade desde menina, pois nos anos 1970, quando o vegetarianismo era coisa de maluco, era considerado mania passível de punição. Minha mãe mesmo, quando aos 13 anos anunciei que renunciaria aos animais como alimento, simplesmente manteve a culinária de casa sem qualquer adaptação. Se tinha arroz, feijão e bife ou frango ou peixe, tomate, que satisfizesse minha ‘birra’ com arroz, feijão e tomate apenas.
Assim foi até eu sair de casa, quando aprendi a cozinhar (muito bem) sem as opções animais. Minha ideologia preservacionista da vida, a qualquer preço, influenciou não só os pratos que eu preparo, mas minha vida como um todo. Formei-me médica veterinária e me dedico a salvar vidas, de qualquer espécie: tenha pés ou patas, penas ou pelos, dentes ou bicos. São meus irmãos no planeta Terra. Merecem minha dedicação e amizade.
Em família
Minha família hoje (marido, filha e filho), por minha influência (mas sem nenhuma obrigação), são todos ovo-lacto-vegetarianos. Meus filhos nunca comeram carne. Simplesmente porque, ainda pequenos, aprenderam de onde vem aquela comida: “franguinho”, “carninha”, “peixinho”. Explicamos quem eram e a necessidade de morrerem para satisfazer alguns hábitos. Nunca se interessaram em experimentar e são extremamente saudáveis. Minha filha foi além e é vegana. Também não usamos couro, seda ou lã, nem produtos testados em animais ou que contenham colágeno, gelatina, tutano, corante cochonilha, entre outros.

Hoje é mais fácil ser vegetariano, há muitas opções nos supermercados. Ainda bem, afinal, o sistema alimentar de consumo animal tem seus dias contados. A FAO (Food and Agriculture Organization), agência da ONU (Organização das Nações Unidas) responsável por Alimentação e Agricultura já divulgou posição onde aponta que a expansão do setor pecuário ameaça a proteção da biodiversidade, o acesso sustentável a água e, principalmente, o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris — dentre eles o de limitar a elevação da temperatura média do planeta.
Melhor explicando, para não parecer teoria da conspiração: estudo da FAO aponta que a necessidade de comida aumentará em 70% até 2050 e a indústria agropecuária, que atende ao superconsumo de carne, é pouquíssimo eficiente. Para se produzir 1 kg de carne são necessários 7 kg de ração e 15 mil litros de água. Além disso, estima-se que a produção de carne seja responsável por 15% das emissões de gases do efeito estufa, que agridem o meio ambiente.
Vegetarianismo a favor da vida
Produzir mais alimentos nos moldes tradicionais (criar animais e mantê-los confinados para o abate) agravam os problemas ambientais. Sem contar a questão ética de respeito à vida. O ser humano, para satisfazer seus desejos alimentares, mantém diversas áreas de confinamento com animais, que depois são transportados de forma cruel para abatedouros, onde são executados: centenas de milhões de bois, porcos, aves e seus filhotes sem nenhuma dor na consciência. Alguém tem ideia do que é carne de vitela? Procure saber.

Profeticamente, outro tema abordado pela FAO foram as preocupações sanitárias com a pecuária. A entidade já alertava em 2018: “a aparição de doenças possivelmente se intensificará nos próximos anos, uma vez que o aumento das temperaturas favorece a proliferação de insetos”.
Na avaliação da agência da ONU, as patologias zoonóticas — que são transmitidas do animal para o homem — com potencial pandêmico representavam uma grande ameaça para as pessoas, os animais e o meio ambiente. Acertaram: aí está a pandemia do coronavírus.
Enfim, meu hábito alimentar, que eu gostaria que fosse de toda a humanidade é, em verdade, uma questão educacional e cultural, que precisa ser revista, refletida e melhor elaborada. A recomendação da FAO é a adoção do vegetarianismo por todo mundo: pena que isso esteja longe de se tornar realidade.
Maria Marta Amaral Lecci Capelli
Médica Veterinária, formada pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, Campus de Botucatu, em 1982. Exerce clínica e cirurgia de pequenos animais em São Bernardo do Campo. Proprietária da Clínica Veterinária São Bernardo e bailarina há 45 anos.
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