Qual o seu jardim favorito?
Em todas as partes, os lugares ficam cada vez mais parecidos. Por exemplo, se pensamos em um shopping, não são muito diferentes em São Paulo, Paris, Istambul, Sidney. E assim hoje vão se reproduzindo em todas as partes aquilo que chamamos “não-lugares” – lugares sem história, sem alma.

Provavelmente, por isso, gostaria de conduzi-los a um passeio breve, segundo um plano da memória, movendo-os até o sul do Brasil, rumo à fazendinha dos meus avós, e para aterrissar em um jardim circunscrito à uma casa de madeira que não existe mais. No entanto, procede dali, desse jardim hoje inexistente, a minha “ideia de lugar no mundo”.
Mas o que é um jardim?
Área cultivada para facilitar o livre curso da natureza, o jardim representa tanto uma zona humanizada quanto um arranjo protegido. Por essa razão, o jardim é um lugar belo e tranquilo, de harmonia e de silêncio, às vezes de solidão, às vezes de ruídos festivos. O jardim é um lugar de contemplação, um lugar de espiritualidade.

Meninazinha, na relação ser humano-natureza, aproximei-me desse jardim – um verdadeiro refúgio – a partir de um estado de deslumbramento. Nas inúmeras visitas à casa dos meus avós, fui aprendendo, por exemplo, que o vasto jardim tinha uma parte de horta, outra de pomar, de plantas aromáticas e flores comestíveis, outra com árvores de sombra, outra mais ornamental.
Ou seja, sem fingimento, o jardim contava sobre a própria vida dos meus avós, suas ambições, ideais, esperanças, assim como também suas dificuldades e limitações, pois todo jardim é biográfico.

Precisei crescer, é claro, para entender que, para cultivar um jardim, é exigido dos jardineiros uma contínua descentração. Logo, uma capacidade ética e afetiva de dialogar com outro ser vivo, a fim de atendê-lo segundo suas necessidades: água, sol, menos luz, mais luz, sombra, poda, enxerto, assistência motivada pela presença de pragas etc.

E, em razão desse dedicado labor virtuoso, é estabelecido um trabalho cooperativo com o “genius loci”, isto é, uma relação ética, afetiva e criativa com o “espírito do lugar”.
O “espírito do lugar”
Em nossos dias, à medida que surgem cada vez mais não-lugares e, mas pior, lugares artificiais, destruídos, empobrecidos, degradados, é fundamental criar no mundo, em todas as partes, lugares que se tornem “refúgios protegidos”, capazes de inspirar áreas e zonas que retomem, com ética e afeto, o vínculo com a natureza, portanto com as pessoas – jardins, hortas, bosques, parques, sem negligenciar, obviamente, o zelo com as florestas.

Mais do que nunca precisamos levar a sério o lugar no qual diariamente nos encontramos e, em sincronia com o “espírito do lugar”, entender que precisamos transformá-lo, melhorá-lo, pois a única maneira de vivermos em paz, e com menos medo, é conciliados com os desígnios da natureza. Aceitar definitivamente que temos que estar sujeitos a seus ciclos e ritmos.
“O belo e o bom são absolutamente necessários para a existência do mundo.” François Cheng
Notinha
Tomo as ideias que giram em torno do jardim rousseauniano (plantas da própria região dispostas de maneira a tornar o ambiente alegre e agradável) e do jardim inglês (que procura favorecer/promover o livre curso da natureza) para construir um conceito de jardim conciliado com o “genius loci”.
Eugênia Pickina
Escritora e educadora ambiental. Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP).
Tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas do estado de São Paulo e do Paraná, onde vive.
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A Ecooar acredita na proteção e preservação de jardins e lugares e no reflorestamento de áreas.