Brincar, correr, pular, sujar-se… todas as crianças precisam de diversão.
*Eugênia Pickina
Estar em contato com o ambiente natural – espaços enriquecidos por plantas, árvores, flores, grama etc. – deveria ser um direito assegurado para todas as crianças.
Não dá para deixar de insistir: as crianças necessitam da experiência diária com a natureza para desenvolver-se bem. Por isso, jardins, bosques, praias, pracinhas, hortas, quintais, ou seja, áreas verdes são o espaço adequado para estimular corpo, mente, sentidos, as inteligências de quem está a desfrutar o breve tempo da infância.
‘Na infância bastava sol lá fora e o resto se resolvia’. Fabrício Carpinejar

Explorar a pracinha do bairro, interagir livremente com um quintal assistido por uma bela árvore, tendo como companheiro o amigo cãozinho, regar a horta caseira ou colher tomates, tudo isso funciona como um rico laboratório para a criança, permitindo-lhe movimentar-se, conhecer o próprio entorno, imaginar e inventar brincadeiras, desenvolver amor pela natureza – e sempre de um modo espontâneo e concentrado.
Infância desconectada da natureza gera desatenção e infelicidade das crianças
A criança acostumada à TV ou às tecnologias, cindida da vivência cotidiana com um entorno natural – o brincar livre em áreas verdes, por exemplo – está mais suscetível aos dramas da obesidade, estresse, hiperatividade, depressão e, ainda, problemas associados à aprendizagem…
As experiências variáveis que oferecem o mundo natural às necessidades da infância não são substituíveis por atividades programadas e realizadas em ambientes artificiais/fechados.
‘A criança ama tocar os objetos para depois poder reconhecê-los’. Maria Montessori
No começo da vida todo mundo precisa brincar, correr, pular, sujar-se, catar pedrinhas no chão, ser cativado por borboletas e pássaros distintos, tomar às vezes um banho de chuva, brincar livre o meninozinho em plena tarde, protegido por uma árvore, e no propósito de pôr em prática a curiosidade, treinar o espírito criativo, aliando sem atrito desenvolvimento emocional e cognitivo.

A proximidade com a natureza influencia diretamente na construção da identidade e da personalidade das crianças, o que possibilita, e de um modo dinâmico, educação ambiental e emocional, essenciais à formação do ser humano e do (futuro) cidadão…
As crianças, por exemplo, gostam muito de cuidar. Se na casa há um animal de estimação, a criança poderá alegremente aprender a cuidar dele.
Desde cedo, as crianças podem regar vasos, tirar ervas daninhas, podem cuidar de plantas na área comum do prédio e, mais velhas, podem participar de hortas comunitárias. Ser corresponsável por outros seres vivos marca a criança profundamente e proporciona a criação de um laço duradouro entre ela e a natureza.
Adultos e crianças desfrutam a natureza de maneira diferente
Para os primeiros, no geral, a natureza se manifesta como um “fundo visual” para o desenvolvimento de atividades – por exemplo, ler um livro sob a sombra de uma árvore; correr em um parque etc.

Para as crianças, a natureza não é somente um marco referencial, mas também uma fonte de estímulos, um território a ser descoberto, oferecendo-lhes uma experiência sensorial completa e insubstituível através do tato, cheiros, ruídos/sons e imagens, que causa impacto sobre sua imaginação e suas emoções. Ou seja: na natureza a criança tem a oportunidade de crescer feliz, criativa e sadia.
Vida saudável e proambiental depende da conexão com a natureza
Se queremos que nossas crianças tenham uma vida ativa, saudável, criativa e proambiental, precisamos fazer um esforço cotidiano para dar vigor à inteligência naturalista, incentivando, desde o começo da vida, o amor à Natureza.
‘Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando‘. Manoel de Barros
Notinhas
No contexto da crise sanitária atual, que tem definido o isolamento social e o confinamento em benefício da saúde e proteção da vida, há o desafio de encontrar maneiras criativas e frequentes para conectar as crianças ao mundo natural. Eis algumas sugestões:
1. como o brincar é a razão de ser da infância, aposte no brincar livre, oferecendo à criança brinquedos de madeira, materiais não estruturados (tecidos, sementes, pedrinhas, cordas etc.), elementos naturais (terra, areia, argila, folhas), permitindo que ela use sua imaginação para inventar objetos/brincadeiras, sem esquecer que é importante brincar sozinho também;
2. mantenha a criança ativa fisicamente (amarelinha, esconde-esconde, pular corda, construção de cabanas no quintal, na varanda);
3. Explore com a criança a natureza próxima de sua residência, convidando-a para observar aves pela janela e/ou examinar os insetos que aparecem na horta, no jardim;

4. tomar sol e ar fresco sempre que possível;
5. aprender os nomes das árvores do bairro ou da rua;
6. Se possível, ofereça à criança livros sobre o mundo natural…
No livro “A última criança na natureza”, Richard Louv (Editora Aquariana, 2016), jornalista e fundador do Movimento Criança e Natureza, afirma que o ser humano, especialmente na infância, precisa de contato com a natureza para se desenvolver e ter uma vida saudável. Ele cunhou o termo “transtorno de déficit de natureza” (TDN) para apontar problemas físicos e mentais derivados de uma vida sem conexão com o mundo natural.
Inteligências
De acordo com a Teoria das Múltiplas Inteligências, de Howard Gardner, há nove tipos de inteligências: espacial, corporal-cinestésica, linguística, lógico-matemática, musical, interpessoal, intrapessoal, existencialista e naturalista – esta última, a inteligência naturalista, diz respeito à capacidade humana de conhecer a Natureza, ou seja, de compreender padrões da natureza (plantas, animais, pedras, estações etc.) e refletir o impacto das ações humanas sobre o meio ambiente.
As inteligências, segundo Gardner, “são potenciais – neurais presumivelmente – que poderão ser ou não ativadas, dependendo dos valores de uma cultura específica, das oportunidades disponíveis numa cultura e das decisões pessoais tomadas por indivíduos e/ou suas famílias, seus professores e outros”(2000, p. 47). Cf. Inteligência. Um conceito reformulado: O criador das Inteligências Múltiplas explica e expande suas ideias com enfoque no séc. XXI. RJ: Objetiva, 2000.
A inteligência naturalista também é conhecida como inteligência biológica ou inteligência ecológica. Botânicos, ecologistas, ambientalistas, geólogos, zoólogos, biólogos, ornitólogos, paisagistas, veterinários, terapeutas florais, guardas florestais, jardineiros, floristas são alguns exemplos de profissões que possuem a inteligência naturalista mais desenvolvida.
Crianças em contato com a natureza

Além de um contato regular com a natureza, os pais ou o responsável podem organizar no dia a dia atividades baseadas em práticas sustentáveis, que motivam o amor à natureza: cultivar horta ou jardim em casa; preparar receitas naturalistas; ter uma animal de estimação e encorajar a criança a cuidar do animal; colecionar e observar folhas, pedras etc.; plantar árvores; explicar e fomentar a reciclagem do lixo doméstico; após o fim da crise sanitária, visitar jardins botânicos e jardins zoológicos; fazer passeios de bicicleta em família; visitar estação de tratamento de água; através do próprio exemplo, sensibilizar a criança para a proteção do meio ambiente.
Em muitas províncias na Espanha, por exemplo, pediatras costumam “receitar” natureza e brincadeiras ao ar livre para melhorar a saúde das crianças. Eles usam as consultas médicas para fomentar o vínculo das famílias com a natureza mediante a recomendação de visitas a parques, jardins botânicos, viagens e férias com atividades ao ar livre etc. para combater hábitos tóxicos (sedentarismo, por exemplo) e criar consciência sobre a importância que tem o meio ambiente em nossa saúde. Uma atuação especialmente eficiente para crianças e (também) adolescentes.
*Eugênia Pickina
Escritora e educadora ambiental. Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP).
Tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas do estado de São Paulo e do Paraná, onde vive.
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