Foto mostra logo da COP 26 sobre estrada com neve e árvores ao lado

COP 26 e a Conscientização Socioambiental

No dia 31 de outubro foi aberta oficialmente, em Glasgow, na Escócia, a 26ª Conferência das Nações sobre Mudança Climática ou COP 26 (sigla do inglês para “Conferência das Partes”) que prosseguiu até o dia 12 de novembro. Acompanhe os destaques aqui.

As “partes” são os 197 signatários da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (conhecido pela sigla em inglês UNFCCC) composta pelos 196 países e territórios em disputa e pela União Europeia. Desde 1995, esses países passaram a reunir-se anualmente para avaliar os respectivos esforços para reduzir o aquecimento global, causado pela atividade humana.

A COP 26 buscou avaliar os respectivos esforços para reduzir o aquecimento global

Um dos principais objetivos dessa COP é finalizar o Manual de Regras de Paris, que tornará operacional o Acordo de Paris, assinado em 2015 durante a COP 21, realizada na França. Na ocasião, todas as partes assumiram compromissos para combater as mudanças climáticas, sempre dentro de suas possibilidades.

Infelizmente, devido ao comprometimento insuficiente e muitos retrocessos, tornou-se decisivo acelerar as ações para enfrentar e minimizar a crise climática, uma vez que as mudanças ambientais, cada vez mais evidentes, continuarão ocorrendo, mesmo se as emissões de gases de efeito estufa forem reduzidas.

Caso a humanidade realmente deseje preparar-se para os efeitos devastadores das alterações ambientais, particularmente sobre as populações mais vulneráveis, devemos decidir agora por mudanças bem objetivas.

Segundo Patrícia Espinosa, secretária executiva da UNFCCC, estamos diante de um ponto sem volta para nossa sobrevivência. Caso não avancemos rumo a um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável, deveremos “aceitar que mais pessoas morrerão, mais famílias sofrerão e mais prejuízos econômicos se seguirão”. Para ela, ou reconhecemos “que uma lógica de continuidade não vale o preço arrasador que se paga,” […] ou aceitamos que a humanidade “tem investido na sua extinção.” (1)

Foto mostra Patrícia Espinosa, participante da COP 26
Patrícia Espinosa – Foto: UNclimatechange

A sinalização de que nossa espécie poderá ser extinta, bem como milhares de outras que habitam nosso planeta, está presente na campanha Não Escolha a Extinção. No site da campanha (veja aqui), são descritos três aspectos interligados: The Problem (o problema), The Excuses (as desculpas) e Take Action (tome uma atitude).

No primeiro deles é possível acessar um breve vídeo que apresenta um dinossauro que discursa na sede das Organização das Nações Unidas, chamando a atenção dos participantes para o fato de “a ação climática não [ser] algo trivial” (2), apelando para que os líderes mundiais procurem salvar a espécie humana da extinção antes que seja tarde demais.

É uma escolha incontestável para mudar os rumos que nossa espécie impõe ao planeta. E isso só ocorrerá se houver colaboração entre governos, empresas e sociedade civil. Estão em jogo:

• Fixar o aumento da temperatura global a, no máximo, 1,5 °C acima da temperatura média do período pré-industrial. Os países precisam se comprometer com uma redução de cerca de 45% das emissões de gases de efeito estufa até 2030. Para isso, é necessário mitigar a queima de carvão e de outros combustíveis fósseis, reduzir o desmatamento e priorizar e intensificar o investimento em tecnologias e energias renováveis, agora bem mais baratas e acessíveis, e que contam com forte apoio popular.

• Efetivar medidas de proteção às comunidades e habitats naturais, principalmente dos países em desenvolvimento, mais diretamente afetados pelas mudanças climáticas. Incentivar a adoção de medidas para proteger e restaurar ecossistemas e implantar sistemas de defesa e alerta e infraestrutura de resistência, que evitem a perda de moradias, meios de subsistência e vidas. Ou seja, trata-se de garantir solidariedade global em apoio às mudanças nos países em dificuldades, especialmente para suas populações mais vulneráveis.

O modelo econômico predatório tem provocado profundas e crescentes desigualdades, o que deixa bilhões de pessoas para trás. De acordo com António Guterres, secretário geral da ONU, o desenvolvimento inclusivo e sustentável, por sua vez, “é essencial para superar as emergências que o planeta enfrenta do clima, da biodiversidade e da poluição, e garantir sociedades estáveis para o futuro” (3).

• Mobilizar o financiamento para cumprir as metas acima. É preciso garantir que os países desenvolvidos cumpram a promessa de disponibilizar ao menos US$ 100 bilhões (cerca de R$ 564 bilhões) em financiamento por ano, até 2030.

Entretanto, apesar dos alertas cada vez mais contundentes e irrefutáveis, dos esforços de conscientização e busca de compromissos, não há garantias de que as propostas serão cumpridas.

Os países são soberanos e a ONU não pode puni-los em caso de fracasso dos acordos.

É verdade que a consciência socioambiental tem crescido e se espalhado. Muitas entidades ambientalistas e de defesa dos direitos de minorias estão enviando representantes aos encontros mundiais, o que tem gerado grande pressão sobre políticos. Os mercados, sobretudo influentes empresas e conglomerados locais e multinacionais, têm adotado medidas e projetos sustentáveis visando atrair a simpatia dos consumidores e disseminando alertas sobre os riscos de um eminente colapso ambiental. Acordos comerciais entre países ou blocos de países condicionados às suas políticas ambientais e metas climáticas tornam-se mais e mais frequentes.

Porém, a maior parte da população mundial ainda não tem consciência sobre a real gravidade da situação, por diversos fatores.

Foto mostra casa de madeira representando habitação humilde, um dos desafios levantados pela COP 26
A reflexão sobre questões, principalmente sobre às populações mais vulneráveis, foi um dos pontos abordados na COP 26

A falta de alimentos, de água e de abrigo, as precárias condições médico-sanitárias, os conflitos armados e os êxodos de refugiados tornam praticamente inviável a reflexão sobre essas questões, principalmente em meio às populações mais vulneráveis.

Outro ponto a salientar é que o planeta Terra e sua biosfera estão, naturalmente ou não, em constante modificação. Parte das alterações são imediatas, mas outras são imperceptíveis devido à lentidão do tempo geológico, que envolve milhões de anos. Essas transformações muito lentas dificultam a percepção sobre a real fragilidade de processos como o aparecimento e extinção de espécies e dos riscos dos danos que causamos.

O cérebro humano, capaz de elaborar projetos, de estabelecer objetivos de curto e longo prazos, de adaptar e até mesmo modificar esses objetivos, de fazer previsões e de compartilhá-los levou ao desenvolvimento de nossos “óculos de propósito” (4), que orientam nosso modo de pensar e boa parte de nossas atividades, incluindo o uso dos recursos naturais a nosso favor, considerados, erroneamente, como infinitos.

A força, a influência e a manipulação das palavras, opiniões e aparatos de informação remetem à visão utilitária, ou propositiva, e sua aplicação indiscriminada, nos diversos produtos socioculturais e educativos aos quais estamos expostos, moldam nosso pensamento e levam ao desenvolvimento de nossos hábitos mentais, intermediários de nossa relação com o mundo.

O papel da educação ambiental

Nesse sentido, já ultrapassou o caráter de urgência ampliar a consciência socioambiental e permitir o desenvolvimento de pensamento reflexivo em relação à utilização dos recursos, naturais ou modificados pelo homem, bem como o respeito aos diversos elementos que compõem os ecossistemas, para a formação de indivíduos capazes de conhecer e de transformar a cultura à qual pertencem, passando a agir como cidadãos conscientes de suas ações, aptos a enfrentar desafios, buscar soluções e assumir as responsabilidades sobre suas escolhas.

Assim, as questões ambientais devem ser trabalhadas ao longo da Educação Básica, a partir da Educação Infantil, por meio da interdisciplinaridade e transversalidade dos conceitos, abordadas em diferentes áreas e momentos, extrapolando as disciplinas de ciências e biologia, seja na forma de projetos ou somando-se aos demais aspectos usualmente abordados na construção de conceitos específicos nas diversas matérias da grade curricular.


Leia mais: Educação Ambiental em perspectiva


No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) significou um avanço nesse sentido, na medida em que foram definidas as competências gerais, ou seja, aquelas que os alunos devem desenvolver ao longo de todas as etapas; as competências específicas de cada área do conhecimento, dos componentes curriculares e unidades temáticas, que foram enxugadas privilegiando temas mais amplos e identificados com a vida prática; os objetivos de aprendizagem, desenvolvimento e conhecimento; e os campos de experiência. A partir dessas definições e reorganização, os ensinos de ciências e biologia tornaram-se menos deficitários. Mas ainda é pouco.

Foto mostra menina descartando plástico em lixeira
As questões ambientais devem ser trabalhadas ao longo da Educação Básica

Enquanto os conceitos sobre evolução, seleção natural, equilíbrio ambiental e integração dos diversos elementos que compõem o sistema planetário natureza-humanidade permanecerem insuficientemente definidos, descontextualizados e abordados de forma não integrada, os reflexos, no futuro adulto e cidadão, levam à dificuldade em assumir comportamentos mais conscientes e responsáveis, diante das questões socioambientais.

O recorrente exemplo da Amazônia na COP 26

Um exemplo da falha na compreensão de conceitos e a definição incorreta dos mesmos está na caracterização da Floresta Amazônica como “pulmão verde” do mundo. Ela não cumpre esse papel.

A Amazônia é um ecossistema extremamente complexo, que abriga uma das maiores biodiversidades do planeta. Os seres vivos mantêm entre si as mais variadas interligações e associações, contribuindo com eficácia para o estabelecimento e a manutenção do equilíbrio ambiental e climático, não só na região. As espécies fotossintetizantes são responsáveis pela produção de grande quantidade de gás oxigênio, bem como pela retirada e fixação de gás dióxido de carbono, o mais importante gás de efeito estufa. Porém, devido à complexidade da biomassa existente, a imensa maioria do gás oxigênio produzido é consumido lá mesmo.

A importância desse bioma está na regulação do clima no planeta e na estocagem de carbono. No vídeo “Como a Amazônia regula o clima do planeta” (veja aqui), o físico e professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP (IF – USP), Paulo Artaxo, explica o que ocorre na região.

Foto mostra floresta, um dos temas da COP 26
A importância do bioma amazônico está na regulação do clima no planeta e na estocagem de carbono

A Amazônia é uma floresta tropical chuvosa, um gigantesco processador de vapor de água para a atmosfera global.

Os ciclos de chuvas e de carbono são regulados pelos estômatos, minúsculas estruturas presentes nas superfícies das folhas. Quando uma planta realiza a fotossíntese, ela abre esses estômatos, permitindo que o dióxido de carbono presente na atmosfera possa penetrar no organismo e, por meio das reações responsáveis pela fixação de energia química, converter-se em carboidratos. Simultaneamente ocorre a liberação de grande quantidade de vapor d’água para a atmosfera, a chamada evapotranspiração, responsável pela formação dos rios voadores, que irrigam o agronegócio no Brasil Central e boa parte do sul do país, além da Argentina e Uruguai.

Além disso, a floresta também emite outros tipos de gases, os compostos orgânicos voláteis, que na atmosfera são extremamente reativos e agem como elementos formadores de nuvens. Juntos, vapor de água e condensação, realimentam a precipitação e retorno das partículas ao solo.

O segundo grande “serviço ecossistêmico” desempenhado é o armazenamento, nas árvores, de uma quantidade equivalente a 100 giga toneladas de carbono, o que significa algo como a queima de todo o combustível fóssil do mundo durante 10 anos. Com a queima da madeira de desmatamento, esse carbono volta para a atmosfera, sob a forma de dióxido de carbono – o principal gás de efeito estufa – e partículas de aerossóis, agravando a já crítica situação das mudanças climáticas.

Foto mostra floresta sendo queimada
Com a queima da madeira de desmatamento, esse carbono volta para a atmosfera

Esse desmatamento pode tornar-se irreversível, porque a floresta, ao ter todo o seu bioma destruído, dificilmente consegue recuperar sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos que ela tinha antes de ser derrubada e queimada.

Cientistas apontam que os efeitos do desmatamento na região são alarmantes e atingem níveis recordes desde 2019. Segundo Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, “se passarmos de 20 a 25% […], a Amazônia corre o risco de se tornar uma savana degradada”. Estamos chegando perigosamente perto disso.


1) Retirado de: ONU News, Perspectiva Global Reportagens Humanas. OP26 junta o mundo em ponto de partida de uma “nova era de resiliência”. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/10/1768732>. Acesso em: 01 nov. 2021.

2) Retirado de: ONU News, Perspectiva Global Reportagens Humanas. Dinossauro quebra protocolo diplomático para fazer apelo aos líderes mundiais. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/10/1768122>. Acesso em: 01 nov. 2021.

3) Retirado de: ONU News, Perspectiva Global Reportagens Humanas. Glasgow concentra esperança sobre temas centrais da ação climática. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/10/1768762>. Acesso em: 01 nov. 2021.

4) Retirado de: video The big question. Produção: Channel 5, 2004/2005. Episódio 3: Por que estamos aqui? (24 min). Apresentação: Richard Dawkins. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=F5Vmu50kzD4>. Acesso em: 31 out. 2021.

Agência FAPESP. A floresta da chuva. Edição 285. São Paulo, novembro 2019. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/a-floresta-da-chuva/>. Acesso em: 07 nov. 2021.

BNCC. A área de Ciências da Natureza. Ministério da Educação. Brasília, 2017. Disponível em:  <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#fundamental/a-area-de-ciencias-da-natureza>. Acesso em: 31 out. 2021.

BNCC. A área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Ministério da Educação. Brasília, 2017. Disponível em:  <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#medio/a-area-de-ciencias-da-natureza-e-suas-tecnologias>. Acesso em: 31 out. 2021.

ECOA/UOL. O que é a COP 26 e como ela afeta a sua vida? Disponível em: <https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2021/10/30/o-que-e-a-cop26-e-como-ela-afeta-a-sua-vida.htm>. Acesso em: 31 out. 2021.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.

ONU News, Perspectiva Global Reportagens Humanas. COP 26. Disponível em: <https://news.un.org/pt/tags/cop26>. Acesso em: 01 nov. 2021.

ONU News, Perspectiva Global Reportagens Humanas. COP26 abre com expectativas de ação imediata pelo planeta. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/10/1768622>. Acesso em: 01 nov. 2021.

UNPD. Don’t Choose Extinction. Disponível em: <https://dontchooseextinction.com/en/>. Acesso em: 01 nov. 2021.

Vídeo Como a Amazônia regula o clima do planeta. Produção: Pesquisa FAPESP vídeos, 20 janeiro de 2020 (5:19 min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=n6lgUKycLso&t=49s>. Acesso em: 07 nov. 2021.


Silvia Helena Mattei de Arruda Campos é bacharel em “Ciências Biológicas” pelo Instituto de Biociências e licenciada pela Faculdade de Educação, ambas instituições da Universidade de São Paulo. Possui especialização em “Neurociências voltada à Educação”, curso oferecido pela Harvard School of Education. Mais recentemente concluiu pós-graduação em “Gestão da Educação no Novo Milênio: o sujeito, o saber e as práticas educativas” oferecida pelo Instituto Singularidades.

Sua atuação profissional sempre esteve ligada à educação. Foi professora de ciências e biologia na Escola Lourenço Castanho, onde também elaborou materiais didáticos e contribuiu com o planejamento curricular. Foi assessora de ciências na Escola Play Pen Cidade Jardim, elaborando o planejamento da área, materiais didáticos e capacitando os professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental I. Trabalhou na organização não governamental ECO – Estudos para o Ambiente. É autora de livros didáticos para o Ensino Médio e Ensino Fundamental I.

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A Ecooar Biodiversidade acredita em um mundo melhor! E por acreditar tanto nisso, nossa equipe atua apaixonadamente para proteger, preservar e recuperar a natureza. Trabalhamos com projetos de reflorestamento que agem na recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APP) na Mata Atlântica e demais biomas. A formação de florestas retém CO2 da atmosfera, o que resulta na captura de Gases de Efeito Estufa (GEE) e regeneração do meio ambiente.

4 thoughts to “COP 26 e a Conscientização Socioambiental”

  1. Ótimo artigo sobre as condições climáticas do planeta e as perspectivas para o futuro. Avançamos em Educação Ambiental mas muita coisa ainda tem que ser feita. As mudanças climáticas, o desmatamento na Amazônia, a emissão de CO2 são preocupantes e parece que as gerações futuras sofrerão as consequências da irresponsabilidade da sociedade industrial.

  2. Excelente artigo mostrando a urgência do enfrentamento da crise climática, sob pena de nossa própria extinção. Um olhar crítico sobre o nosso Planeta e a finitude de seus recursos, os limites da consciência e o papel da educação ambiental. Parabéns Silvia, pela escrita clara e elucidativa do panorama da COP-26.

    1. Oi Teresa, agradeço seus comentários e o empenho em divulgar. Essa questão é muito importante e tem passado batido, sem reflexões. Sinto que falta cometimento da maioria das pessoas, mas chegamos num ponto crítico e alarmante. Não é futuro, é agora. Beijo grande.

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