Contando com cerca de 30% de diversos seres vivos já identificados pela ciência no Brasil, o Cerrado é um dos biomas mais importantes do país e também um dos mais ameaçados
*Ophelis de A. Françoso Jr.
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, espalhando-se por dois milhões de quilômetros quadrados pelos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal. Além disso, podem ser encontradas também manchas de Cerrado isoladas nos estados do Paraná, de Rondônia, do Amapá, de Roraima, do Amazonas e do Pará, o que perfaz, em área, a quarta parte do território do país.

Em termos populacionais, cerca de 46 milhões de brasileiros vivem nessas áreas, a maior parte nas regiões metropolitanas do Sudeste e do Centro-Oeste. Entretanto, há mais de 11 mil anos, seres humanos chamados de povos do Cerrado, já viviam nesse ambiente, portanto, antes da chegada dos colonizadores. É o caso dos 95 territórios indígenas, 44 territórios quilombolas e 13 tipos de comunidades não indígenas, que ainda vivem nele, mantendo perfeita harmonia com a natureza e utilizando seus recursos naturais de forma sustentável.

A diversidade do Cerrado
O bioma Cerrado, que faz parte da fisionomia global designada como savanas, concentra cerca de 5% da diversidade do planeta. No Brasil, ele abriga 30% dos diversos seres vivos já identificados pela ciência, como a lista a seguir, que refere (entre parênteses), ao número de espécies (ou gêneros, quando assim especificado). Veja fotos de alguns indivíduos ao longo do artigo.
• abelhas (820) | • cupins (140 gêneros) | • peixes (800) |
• anfíbios (209) | • formigas (300) | • serpentes (158) |
• aves (856) | • lagartos (74) | • vespas: (139) |
• borboletas (mais de mil) | • mamíferos (251) | |
• cobras-cegas (30) | • mariposas (cerca de 10 mil) |
A flora, por sua vez, é composta por mais de 12 mil espécies de plantas das quais 4,4 mil são endêmicas, isto é, ocorrem somente nesse ambiente como: pequi, pau-terra, barbatimão, ipê, capim-dourado, arnicado-cerrado e canela-de-ema, entre outras.

O Cerrado pode ser subdividido em três formações distintas. A primeira é a Florestal que, por sua vez, se subdivide em Mata Ciliar, Mata de Galeria, Mata Seca e Cerradão. A segunda é a Savânica com suas subdivisões Cerrado Propriamente Dito, Parque de Cerrado, Palmeiral e Vereda. A terceira formação é a Campestre, subdividida em Campo Limpo, Campo Sujo e Campo Rupestre.
Pato-mergulhão, uma das espécies em risco de extinção
O Pato-mergulhão é uma ave aquática que depende de ecossistemas ambientalmente equilibrados para sobreviver, especialmente aqueles com cursos d’água limpos e transparentes. Devido à sua peculiaridade e à delicada situação dos recursos hídricos do planeta no século 21, não é surpreendente que essa espécie seja classificada como “criticamente em perigo” nas listas de espécies ameaçadas de extinção.

Segundo o Wikiaves, atualmente, menos de 250 indivíduos dessa espécie são encontrados em todo o mundo, concentrados em algumas áreas do Brasil. Na Chapada dos Veadeiros em Goiás e no Jalapão no Tocantins, por exemplo, ainda é possível avistá-los de forma esparsa. Em 2010, foi estimada uma população de cerca de 14 indivíduos sobrevivendo no Rio Novo.
Aspectos do bioma Cerrado
A diferença dessas fisionomias, entre outras, deve-se ao adensamento do estrato arbóreo superior (grandes árvores) que, de tão abundantes, podem torna-lo quase semelhante a uma floresta tropical ou, de tão escassas, pode torná-lo mais próximo ao aspecto de um campo aberto. Para citar exemplos extremos, o Cerradão, representa, praticamente, algo semelhante a uma formação florestal, cujo solo é dominado por plântulas e outras ervas com árvores que podem ultrapassar sete metros. O Campo Rupestre, por sua vez, apresenta uma fisionomia é dominada por gramíneas, baixa predominância de arbustos e ausência de árvores relativamente altas.
As variações na fisionomia do Cerrado resultam, em grande parte, de solos de diferentes composições e origens que se reflete nas diferentes cores que vão do avermelhado, vermelho-amarelado, preto, cinza e mosqueado.

O relevo é relativamente plano, com diferentes profundidades, texturas, porosidades e fertilidades. Embora sustentem uma flora diversificada, os solos dos cerrados não apresentam os nutrientes necessários às plantas de interesse agrícola; por isso apresentam baixa fertilidade. Entretanto, nas últimas décadas, foram geradas tecnologias capazes de transformar a região em uma área bastante produtiva para a agricultura e a pecuária brasileiras. Hoje, o Cerrado é referência em produtividade agrícola não obstante sua concomitante destruição.
Água para todos
Nas áreas de Cerrado também podem ser encontradas uma infinidade de nascentes que alimentam oito das doze bacias hidrográficas do país, como as bacias dos rios Araguaia Tocantins, do Rio São Francisco e do Rio Paraná.

O clima do Cerrado é Tropical Chuvoso (Ribeiro e Walter, 1998), caracterizado pela ocorrência de duas estações: a chuvosa, de outubro a abril, e a seca, de maio a setembro, quando as precipitações são reduzidas. As temperaturas médias anuais variam de 18 °C a 27 °C, com extremos entre 8 °C e 34 °C.
Problemas e soluções
Os problemas decorrentes da ocupação do Cerrado consistem na concentração de grandes focos erosivos devido à ocupação indiscriminada. O uso dos solos sem o acompanhamento técnico adequado, tem comprometido a rede de drenagem e a cobertura vegetal próxima às estradas, caminhos e trilhas, que representam fluxos preferenciais de escoamento de águas pluviais. A substituição da vegetação natural do bioma para abertura de áreas para pecuária extensiva e a agricultura, propiciam um cenário adequado para a erosão que se observa em inúmeras partes do bioma, notadamente na região Centro Oeste.

A maior parte dessa erosão tem ocorrido devido à precária drenagem e à ausência de matas ciliares, quando os agricultores desconsideram a legislação ambiental relativa às áreas de preservação. Isso implica no progressivo assoreamento por enxurradas e a contaminação dos rios por adubos, fertilizantes e inseticidas oriundos da agricultura circunjacente.
Outro problema é a destruição da vegetação para o uso pecuário. Ao se deslocar em busca de pastagens e água, o gado gera trilhas que acabam compactando o solo, o que promove a redução da porosidade e da percolação propiciando um aumento das enxurradas superficiais. Os sulcos que se formam como decorrência aumentam cada vez mais, gerando as ravinas que, ao interceptarem o lençol freático, originam as voçorocas devido à profundidade rasa ou afloramento do lençol freático.

O quê fazer para proteger o Cerrado?
Por isso, são necessárias intervenções preventivas e corretivas desses impactos para que se possa implementar medidas de recuperação, o que inclui:
- Reflorestamento das margens dos rios, das nascentes, áreas escarpadas e de bordas de chapadas com árvores nativas, inclusive visando responder à legislação ambiental.
- Controle rigoroso do uso dos solos e da drenagem dos rios.
- Acompanhamento dos focos de erosão e das voçorocas.
- Educação ambiental das populações periurbanas.
- Fiscalização contra o desmatamento.
A vegetação impacta os sistemas climáticos locais, além de afetar a quantidade de energia solar absorvida. As copas das árvores presentes nas manchas de vegetação reduzem a temperatura local, escurecem a superfície do solo e reduzem a quantidade de energia refletida.
Saiba mais: Árvores nativas e sua importância
O valor ambiental do Cerrado está pouco contemplado nos indicadores de proteção. As unidades de conservação protegem pouco mais de 8% do Cerrado, o que corresponde a pouco mais de 3 mil hectares. A legislação ambiental ainda é muito negligenciada no Cerrado, que continua sendo indevidamente utilizado e muito destruído. Portanto, ainda há muito por fazer para uma efetiva proteção desse bioma.
Referências:
− Bioma Cerrado. Portal Embrapa. Disponível em: <www.embrapa.br/agencia-de-informacaotecnologica/tematicas/bioma-cerrado>. Acesso em: 20 dez. 2022.
− BRASIL, 2000. Lei no 9.985 de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.
− Klink, C. A.; Machado, R. B. A conservação do Cerrado brasileiro. Megadiversidade: 1(1): 147-154. 2005. Disponível em: <www.researchgate.net/profile/Ricardo-Machado-4/publication/228342037_A_conservacao_do_Cerrado_brasileiro/links/553a78670cf29b5ee4b64c2f/Aconservacao-do-Cerrado-brasileiro.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2022.
− Ribeiro, J. F.; Walter, B. M. T. 1998. Fitofisionomias do bioma Cerrado. p. 89-166. In: Sano, S. M.; Almeida, S. P. (ed.). Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: Embrapa-CPAC. 556p.
− Universidade de Brasília. s/d. Exposição Cerrado Patrimônio dos Brasileiros. Disponível em: <http://cerrado.museuvirtual.unb.br/index.php/cuidados>. Acesso em: 20 dez. 2022.
*Ophelis de A. Françoso Jr. (ophelis@alumni.usp.br)
Biólogo, mestre e doutor pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Bolsista da Capes na Universidade da Califórnia campus de Santa Bárbara. Ex-professor em diversas instituições de ensino superior e editor executivo.
Fotos: Diogo de Lucca Sartori | Instagram: @diogosartori
Professor Assistente Doutor – Engenharia de Biossistemas – Faculdade de Ciências e Engenharia – UNESP/Câmpus de Tupã, Doutor em Ciências – Universidade de São Paulo – Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – FZEA/USP de Pirassununga e possui
Graduação em Zootecnia – Unesp – Faculdade de Ciências Agrárias e Tecnológicas – Câmpus de Dracena