“O velho tanque
Uma rã salta
Barulho de água” (M. Bashō)
A existência da água, doce, salgada, superficial, subterrânea, nada disso depende da vontade do ser humano, e ainda assim o que seria de nós sem a água doce, potável, fresca?
Arroio
Sou uma dessas crianças que cresceram em contato com a natureza, e felizmente desde os anos iniciais. E, na fazendinha do meu avó, meu local preferido, havia um simpático arroio protegido por uma alegre mata ciliar. E que história é essa? Mata Ciliar? Meninazinha, ouvi diversas vezes o meu avó, seu João, repetir, e de novo, e sem nenhuma pressa:

“A camada de folhas que se forma sob as árvores serve para proteger o solo dos pingos da chuva, impedindo a erosão. É a erosão que leva terra e areia para dentro do arroio, fazendo com que o arroio fique mais raso, com menos capacidade de guardar água.”
Cresci brincando à beira daquele arroio simpático, inventando nomes para ele, fiando-me sem o saber naquela sincera constatação enunciada pelo poeta nordestino João Cabral de Melo Neto:
“Rios todos com nome
e que abraço como amigos“.
Planeta água
Aprendemos nos anos de escola, testamos no dia a dia: água é essencial para a vida que habita em nosso planeta. Nossos ecossistemas, nossa sociedade, nossa economia, nossos anseios, tudo necessita de água para prosperar.
De outra parte, algo tão banal como abrir uma torneira e que saia água para que possamos bebê-la quando tenhamos sede, é algo impossível para milhões de pessoas que sofrem com a escassez desse precioso líquido no mundo. E, apesar disso, há muita gente que negligencia o fato de que a água é um recurso socioeconômico vital e… finito.

Arroios, lagos, rios, aquíferos, mares… Há muita água no planeta, no entanto menos de 3% é água doce consumível. Em nossa época, e de maneira mais aguda, o caráter de vulnerabilidade da água se acentua frente a crescente degradação de sua qualidade, a qual ameaça a própria existência da vida.
Tocar a água do rio com as mãos, escutar o dizer da água, água que não quer refletir o sujo que o ser humano suja, segundo uma ação bastante inapropriada, e incentivada por um mundo (ou uma parte do mundo) avidamente consumista. Ora, todos nós devemos nos conscientizar e evitar o desperdício, o uso irresponsável da água…
“Clara, doce ou gelada,
Verde, azul ou transparente,
Sem a água não há nada.
Nem floresta, nem semente“. (Evelyn Hein)
Água que transforma
Sem água, bem finito, não existiria nenhuma vida. E a escassez desse bem essencial está na origem de numerosos conflitos que atropelam nosso mundo e, mais gravemente, leva ao deslocamento de pessoas a outros países para encontrar lugares seguros para viver e construir com dignidade suas histórias.
No Brasil, um país rico em água doce, o uso racional é fundamental para ultrapassar a crise mundial que enfrentamos e enfrentaremos nas próximas décadas.

Volto ao meu avó, o guardador do pequeno curso d’água que atravessava em silêncio a sua fazendinha. E fito, na memória, a beleza daquele arroio protegido pela mata ciliar – goiaba-serrana, cerejeira, uvaia, corticeira-do-brejo, jabuticaba-do-campo, a velha amoreira, as aves, as abelhas – a harmonia que existia ali coletivamente.
Dentro de uma perspectiva ecológica, devemos preservar os recursos hídricos, cuidar de nossa água finita, cotidiana e coletiva. Além do mais, temos o dever de resguardá-la para as gerações futuras, porque água também é um legítimo direito.
Atitudes simples que ajudam a economizar água
Regar as plantas à noite ou de manhã bem cedo; tomar banhos curtos; escovar os dentes com a torneira fechada; clorada ela pode ser reutilizada – por exemplo, usar a água que serviu para desinfetar frutas/verduras para lavar o quintal e limpar banheiros; inspecionar e consertar vazamentos no propósito de reduzir/impedir desperdícios (por exemplo, uma bacia sanitária com válvula e tempo de acionamento de 6 segundos gasta de 10 a 14 litros por descarga). O uso racional também é uma atitude de bom senso e solidariedade.
Leia mais:
Boas práticas sustentáveis
Notinhas
O famoso haicai de Matsuo Baschō provavelmente foi composto em 1686. Em japonês, teríamos: furuike ya/ kawazu tobikomu/ mizu no oto.
Em 1992, a Assembleia Geral da ONU declarou 22 de março o Dia Mundial da Água por meio da resolução 47/193.
Os recursos hídricos são finitos e vulneráveis devido, entre outras razões, à contaminação e superexploração pelo homem. Além disso, as mudanças climáticas têm impacto na disponibilidade dos recursos hídricos.
ONU
Em 2010, a ONU reconheceu o direito humano ao preciso líquido e ao saneamento. Segundo a ONU (2017), cerca de 663 milhões de pessoas não têm acesso à água potável, com consequências graves em termos de saúde pública.
Apesar de água ocupar cerca de 70% da superfície da Terra, mais de 98% dela é salgada. Dos 2% de água doce existente, apenas 1,2% é doce acessível em rios, lagos, aquíferos. Mais de 68,9% estão aprisionadas no gelo e nas calotas polares.

De acordo com um informativo elaborado em 2017 pela OMS e UNICEF, 3 de cada 10 pessoas no mundo não têm acesso à água potável em suas casas. A escassez de água afeta a agricultura, a pecuária e a indústria e, portanto, produz escassez de alimentos, fome e conflitos.
A contaminação marinha é uma grave ameaça para os seres marinhos e seus habitats – praguicidas, produtos químicos tóxicos, metais pesados e plástico entram na cadeia alimentar marinha, afetando-a e causando graves danos. As práticas conservacionistas e o reúso brindam oportunidades para a economia desse recurso finito e escasso.
Mata Ciliar
Mata ciliar é a formação vegetal localizada nas margens dos rios, córregos, lagos, represas e nascentes. Também é conhecida como mata de galeria, mata de várzea, vegetação ou floresta ripária. Considerada pelo Código Florestal Federal como “área de preservação permanente”, com diversas funções ambientais, devendo respeitar uma extensão específica de acordo com a largura do rio, lago, represa ou nascente.

As captações pluviais em edificações é uma prática crescente, principalmente no Nordeste brasileiro, ampliando desse modo seu uso em edifícios domésticos (descargas de sanitários, irrigação de jardim etc.) e em atividades comerciais (lavanderias industriais, por exemplo).
Eugênia Pickina
Escritora e educadora ambiental. Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP).
Tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas do estado de São Paulo e do Paraná, onde vive.
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Referências
Água | ONU Brasil
Embrapa (embrapa.com.br)
Fasola, G. B. et al. Potencial de economia de água em duas escolas em Florianópolis, SC. Ambiente Construído, v. 11. N. 4, p. 65-78, out. 2001.
Jacomine, P. K. T. Solos sob matas ciliares. In; Rodrigues, R. R. e Leitão-Filho, H. (Ed.). Matas Ciliares: Conservação e Recuperação. SP: Universidade de São Paulo, 2000, cap. 2, p. 27-32.
Rebouças, A. C. Água no nordeste: escassez e desperdícios. Estudos Avançados 11(29), 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v11n29/v11n29a07.pdf Acesso em: 5 de jul. 2020.
Odum, E. Ecologia. RJ: Guanabara, 1986.